ESA/NASA/S. Smartt/R. Gendl |
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A galáxia NGC163 vista pelo Telescópio Espacial Hubble |
Em uma tarde de setembro, o astrônomo amador Victor Buso transportou seu telescópio de 40 centímetros para seu observatório, que fica no telhado de sua casa em Rosario, na Argentina, e apontou para uma galáxia relativamente próxima chamada NGC 613. Ele diz que a escolheu aleatoriamente, observando que “entre aquelas que estavam naquela parte do céu, a NGC 613 possui um belo formato, com anéis brilhantes e uma névoa escura.”
Para fotografar uma galáxia é preciso captar muita luz; Buso levou uma hora e meia enfrentando as luzes da cidade para conseguir criar uma boa exposição da galáxia espiral e de suas ramificações retorcidas. Uma imagem astronômica normalmente é feita a partir de uma série de imagens compostas. As primeiras 40 imagens de Buso não mostraram nada extraordinário.
Após um intervalo de 45 minutos ele retomou suas observações. Foi quando capturou algo gigantesco, que ficava mais brilhante a cada minuto. Uma estrela que há tempos vinha roubando massa de sua irmã binária colapsou. Todas as camadas externas da atmosfera estelar se dispersaram, criando uma gigantesca onda de choque. Buso registrou o evento quando sua luz atingiu a Terra, na noite de 20 de setembro de 2016.
Ele enviou suas observações para membros da comunidade astronômica, que entraram imediatamente em ação. Buso capturou os primeiros estágios de uma supernova de tipo IIb, em que duas estrelas de massa 8 ou 10 vezes maior que o Sol se aproximaram em um abraço gravitacional mortal até que uma delas explodisse. A notícia se disseminou rapidamente, e acompanhar as observações se tornou um esforço mundial. Os observadores australianos começaram a partir de onde outros pararam. Melina Bersten e seu parceiro Gastón Folatelli, do Instituto de Astrofísica La Plata, conversaram com Buso por Skype no dia seguinte para começarem suas próprias observações em um local que fica a uma hora de Rosário. “O céu é muito brilhante. Ele teve sorte de que aquela noite estava clara e com um céu bom para observações,” Folatelli disse.
Os resultados iniciais da colaboração foram publicados na quarta-feira na revista Nature. É a primeira vez que o choque inicial de uma supernova foi capturado a tempo de permitir aos astrônomos um exame minucioso sobre as primeiras horas desse poderoso evento estelar. (O telescópio da NASA, o Kepler, capturou o instante inicial de uma supernova parecida em 2016, mas a distância e o tempo do evento fizeram com que acompanhar o ocorrido fosse difícil.) Anteriormente, Buso já havia identificado uma estrela do tipo variável além de um asteroide até então desconhecido. “ Mas descobrir e registrar uma supernova tão no seu início, a mais “jovem” já registrada na história da humanidade até então, é algo que me emociona muito,” ele escreveu por e-mail.
Bersten, que é o principal autor do artigo, diz que a supernova – chamada SN 2016gkg – está agora se “acalmando” o suficiente para que os astrônomos possam ir atrás dos destroços de sua estrela irmã. A nebulosa – uma concha brilhante de gás ionizado e poeira produzidos pela explosão – em breve deve esfriar e desvanecer até alcançar uma relativa transparência, permitindo que a desgastada estrela remanescente apareça. “Nós esperamos que ela esteja lá, mais ou menos no mesmo local que a supernova estava,” diz Berstem. “A única coisa que precisamos fazer é esperar até que a supernova fique estável o suficiente”
Hora Amadora
Estima-se que cinquenta estrelas explodam a cada segundo no Universo, mas a maioria está muito distante para ser vista da Terra, de acordo com o astrofísico Brad Tucker, da Universidade Nacional Australiana, que estuda supernovas. Outras, diz Tucker, ocorrem sem deixar marcas no céu porque estão muito próximas: algumas delas são apagadas pela poeira interestelar e outras são muito brilhantes para os telescópios dos observatórios nacionais conseguirem focar; elas só aparecem como manchas de brilho azulado. Muitos grandes observatórios são usados para localizar alvos mais distantes, ou aqueles em que a luz aparece extremamente fraca quando vista da Terra. Logo, um evento com mais energia se assemelha a uma lanterna brilhando diretamente em direção ao olho de alguém, ao invés de uma lâmpada ligada na sala.
Esses fatores fazem com que os astrônomos amadores sejam singularmente capacitados para capturar supernovas relativamente nítidas. Seus telescópios e equipamentos de imagem são mais adequados a observar objetos mais brilhantes, e eles tendem a focar em poucos alvos no decorrer da noite, ao invés de fazerem uma grande observação que monitoraria inteiramente o céu noturno. Tucker lidera um projeto chamado de Observação de Supernovas no site Zooniverse.org, para recrutar amadores por essa razão. “Como os amadores se focam em observar apenas poucas galáxias a cada noite, se eles identificarem algo, o farão muito rapidamente,” diz Tucker.
Às vezes, um observatório profissional pode descobrir uma supernova nascente, e depois recorrer aos amadores para obter os outros muitos dados preciosos. Alguns astrônomos amadores podem observar apenas nos comprimentos de onda que os olhos humanos conseguem ver, enquanto outros podem fazer observações em outras frequências, como a infravermelha. E alguns usam seus próprios espectrômetros – sensores que podem medir traços químicos emitidos por uma estrela ou por outro objeto. “Eles não descobrem tantas [supernovas] quanto as pesquisas profissionais,” diz Tucker. “Mas quando normalmente eles descobrem algo, é muito mais importante do que o que nós descobrimos”.
O evento principal
No que diz respeito às supernovas, o tipo IIb não é o mais raro. Algumas foram avistadas nas últimas décadas; a maioria das estrelas nasce em pares, e eles nem sempre têm uma relação simbiótica do tipo dar e receber. O que é raro, no entanto, é encontrar uma que seja nova o suficiente para podermos observar seus primeiros momentos, quando o núcleo da estrela mais massiva colapsa em uma estrela densa de nêutrons ou um buraco negro, e arranca o envelope de hidrogênio da supernova gerando uma onda de choque.
O SN 2016gkg é uma supernova de tipo IIb padrão, com pouca diferença no que normalmente é visto como resultado do processo, “o que faz que essa descoberta feita no começo da explosão seja ainda mais útil,” diz o astrofísico estelar Ashley Pagnotta, da Faculdade de Charleston, que não estava envolvido no artigo. Ao capturar esses primeiros momentos, os astrônomos podem encaixar essas observações nos modelos previstos de como a supernova evolui.
Se uma supernova fosse um livro, seria como se nós normalmente testemunhássemos apenas o meio e o final. Agora os astrônomos sabem sobre o começo. “Há esse colapso inicial do núcleo, a partir do qual se origina a onda de choque,” diz Pagnotta. “Nós não sabemos muito sobre essa fase, em parte porque nós não a vemos frequentemente. O essencial é que como essa onda de choque vem do núcleo, porque o choque inicial que vêm do centro ocorre muito rapidamente, ela é muito rápida e o que se vê é esse aumento rápido do brilho.”
O choque
A liberação do choque acontece em uma escala de tempo de horas, e por isso observar o máximo possível é algo essencial para entender essas fases iniciais. Esse evento inicial é explosivo, e nesse caso é possível que haja uma estrela de nêutrons, gerada a partir da estrela que explodiu, de acordo com Bersten.
O último evento registrado pelos astrônomos não permaneceu brilhante por muito tempo, como é o caso da maioria das supernovas. “Está desaparecendo e se tornando muito mais fraco – centenas de milhões de vezes mais fraco do que quando foi descoberto,” diz Folatelli, que é um dos autores do artigo. As próximas observações do Telescópio Espacial Hubble poderão observar o que sobrou do SN2016kg, monitorando os remanescentes da nebulosia atrás de sinais da estrela binária.
A próxima supernova desse tipo poderá ser encontrada por um instrumento como o Zwicky Transient Facility, no Observatório Palomar, um telescópio automatizado criado com o propósito de monitorar o céu para observar eventos de curta duração. Talvez um observador com sorte (profissional ou amador) vá tropeçar acidentalmente na próxima ocorrência. Mas quem quer que venha a capturá-la – e onde quer que isso ocorra – os amadores podem se provar essenciais para colher alguns dos dados mais sutis desse grande estrondo estelar. Especialmente se acontecer na nossa própria galáxia.
“Se a próxima supernova galática estiver na Via Láctea, nenhum desses telescópios profissionais poderia vê-la; é um evento muito luminoso,” diz Pagnotta. “Nós seremos, especialmente nos dias atuais, quase que inteiramente dependentes dos amadores.”
John Wenz