Yuri Hooker/Wikimedia Commons |
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Cachorro da raça cão calvo peruano |
Uma nova árvore genealógica de cães contendo mais de 160 raças revela a história oculta do melhor amigo do homem, além de mostrar como o estudo dos genomas caninos pode ajudar na pesquisa de doenças humanas.
Em um estudo publicado ontem, dia 25 de abril, na revista Cell Reports, cientistas examinaram os genomas de 1346 cachorros para criar um dos mais variados mapas já produzidos, traçando relações entre as raças. O mapa mostra os tipos de cachorros que seres humanos cruzaram para criar as raças modernas, e revela que os cães gerados para realizar funções semelhantes, como os de trabalho e pastoreio, não necessariamente compartilham as mesmas origens. As análises até sugerem que houve um tipo primitivo de cão que poderia ter vindo para as Américas acompanhando grupos humanos milhares de anos antes de Cristóvão Colombo chegar ao Novo Mundo.
O novo trabalho pode ser uma surpresa para donos e criadores familiarizados com a forma como os cachorros são agrupados em categorias. “Você poderia pensar que todos os cães de trabalho ou pastoreio possuem parentesco, mas não é o caso”, diz Heidi Parker, bióloga do Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos em Bethesda, Maryland, e uma das autoras do estudo.
Quando os geneticistas tentaram mapear as linhagem de cães de pastoreio no passado, não conseguiram fazê-lo com tanta precisão. Parker e Elaine Ostrander, também bióloga do NIH e também uma das autoras, dizem que isso se deve ao fato de que os cães de pastoreio surgiram através de reprodução seletiva, feita múltiplas vezes e em vários locais diferentes.
“Em retrospecto, isso faz sentido”, diz Ostrander. “As qualidades que você gostaria de ter em um cão que cuida de um rebanho de bisões são diferentes daqueles que vigiam cabras da montanha, ou rebanhos de ovelhas, e assim sucessivamente”.
Vindo para a América
A maioria das raças do estudo surgiu de grupos de cães com origem na Europa e na Ásia. Porém, cachorros domésticos vieram para as Américas há milhares de anos, quando grupos humanos atravessaram o Estreito de Bering, que ligava o Alasca à Sibéria. Esses cães do Novo Mundo desapareceram depois, quando os cachorros europeus e asiáticos chegaram ao continente. Pesquisadores procuraram pelo legado genético desses cães antigos no DNA das raças americanas modernas, mas até agora haviam encontrado poucas evidências.
A forma como duas raças sul-americanas, a do cão calvo peruano e do xoloitzcuintli, se agruparam na árvore genealógica sugeriu para Ostrander e Parker que esses animais poderiam compartilhar genes não encontrados em nenhuma das outras raças analisadas. Parker acredita que esses genes podem ter vindo de cães que já estavam no continente americano antes da chegada de Colombo.
“Eu acho que nossa visão sobre a formação das raças modernas de cães tem sido historicamente unidimensional”, diz Bob Wayne, biólogo evolutivo da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. “Não havíamos considerado que o processo possui um profundo legado histórico.”
Isso se estende ao que provavelmente foi o primeiro período de domesticação de cães, no período dos caçadores-coletores. Ostrander e Parker acreditam que as raças caninas passaram por dois grandes períodos de diversificação. Há milhares de anos, cachorros eram selecionados por suas habilidades, enquanto que a partir de algumas centenas de anos os animais passaram a ser criados pelos seus traços físicos.
“Você nunca seria capaz de encontrar algo assim em vacas ou gatos”, diz Wayne. “Não fizemos essa intensa e deliberada criação com nada além de cachorros.”
Embora este estudo possa ajudar pesquisadores a entenderem melhor a história dos cães domésticos, existem diversas razões práticas para a criação de uma base de dados como a produzida por Ostrander, Parker e seus colegas. Uma é que pode auxiliar no diagnóstico de doenças em cachorros domésticos. Outra é ter a possibilidade de ajudar no estudo de doenças humanas.
Cães e pessoas podem sofrer de condições similares, como epilepsia. Em humanos, talvez haja centenas de genes que podem influenciar essa doença. Entretanto, devido ao fato de as raças de cães serem relativamente isoladas geneticamente, cada uma delas pode carregar apenas um ou dois dos genes envolvidos na epilepsia, diz Ostrander. “Ao estudar cachorros, podemos observar cada gene individualmente. É muito mais eficiente.”
Erin Ross, Nature
Esse artigo é reproduzido com permissão da Nature e foi publicado originalmente no dia 25 de abril de 2017.