Em nosso Sistema Solar, um asteroide orbita o Sol na direção oposta à dos planetas. O asteroide 2015 BZ509, também conhecido como Bee-Zed, leva 12 anos para fazer uma órbita completa ao redor do Sol. Esse é o mesmo período orbital de Júpiter, com o qual compartilha sua órbita, mas vai na direção oposta à movimentação do planeta.
O asteroide com a co-órbita retrógrada foi identificado por Helena Morais, professora do Instituto de Geociências e Ciências Exatas (IGCE) da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Morais havia previsto a descoberta dois anos antes, tanto que o artigo descrevendo as observações do asteroide publicadas na Nature é apontado por ela na seção News & Views da mesma edição da revista.
“É bom ter uma confirmação”, disse Morais. “Eu tinha certeza de que co-órbitas existiam. Sabemos sobre esse asteroide desde 2015, mas sua órbita não havia sido determinada claramente e não era possível confirmar a configuração co-orbital. Agora, foi confirmado após mais observações, que reduziram o número de erros nos parâmetros orbitais. Então, temos certeza de que o asteroide é retrógrado, co-orbital e estável.”
Em parceria com Fathi Namouni no Observatório Côte d’Azur na França, Morais desenvolveu uma teoria geral sobre co-orbitais retrógrados e ressonância orbital retrógrada.
O artigo de Paul Wiegert da Universidade de Ontário Ocidental, no Canadá, publicado em março na Nature, descreve como o objeto 2015 BZ509, detectado em janeiro de 2015 utilizando o Sistema Panorâmico de Telescópio de Pesquisa e Resposta Rápida (Pan-STARRS) no Havaí, foi rastreado com o Grande Telescópio Binocular no Arizona. A confirmação de que sua órbita é retrógrada e co-orbital com Júpiter veio dessas observações adicionais.
Órbitas retrógradas são raras. Estima-se que apenas 82 dos mais de 726 mil asteroides conhecidos estejam orbitando da “forma errada”. Por contraste, co-orbitais prógrados que se movem “com o tráfego” não são novidade alguma; só o Júpiter sozinho é acompanhado por cerca de seis mil asteroides troianos que compartilham a órbita do planeta gigante.
O Bee-Zed é incomum porque compartilha a órbita de um planeta, porque sua própria órbita é retrógrada, e, acima de tudo, porque tem estado estável por milhões de anos. “Em vez de ser ejetado das órbita por Júpiter, como seria esperado, o asteroide está em uma configuração que assegura estabilidade graças à ressonância co-orbital – o que significa que seu movimento está sincronizado com o do planeta, evitando colisões”, disse Morais.
O asteroide atravessa o caminho de Júpiter a cada seis anos, porém, devido a sua ressonância co-orbital, eles nunca se aproximam mais de 176 milhões de quilômetros, distância suficiente para evitar grandes distúrbios na órbita do asteroide, embora a gravidade de Júpiter seja essencial para manter o planeta e o Bee-Zed em uma ressonância retrógrada 1:1.
Todos os planetas e a maioria dos asteroides no Sistema Solar orbitam o Sol na mesma direção porque nosso sistema emergiu de uma nuvem giratória de poeira e gás, a maioria dos objetos dos quais continuam a girar como faziam antes.
“A grande maioria dos objetos retrógrados são cometas. Suas órbitas são tipicamente inclinadas, assim como retrógradas. O mais famoso é, claro, o cometa Halley, que possui uma órbita retrógrada com uma inclinação de 162°, praticamente idêntico à do 2015 BZ509”, disse Morais.
Nos estágios finais da formação planetária, ela explicou, objetos pequenos eram expelidos para longe do Sol e dos planetas, formando a concha esférica de detritos e cometas conhecida como a nuvem Oort.
“Nessas distâncias, os efeitos gravitacionais da Via Láctea perturbam objetos pequenos. Para começar, eles orbitavam perto do plano da eclíptica na mesma direção dos planetas, mas suas órbitas foram deformadas pela força de maré da galáxia e pelas interações com as estrelas próximas, gradualmente se tornando mais inclinados e formando um reservatório mais ou menos esférico”, disse Morais.
Se as órbitas desses objetos forem perturbadas – por uma estrela passageira, por exemplo – ele retornam para caminhos próximos aos planetas do Sistema Solar e podem se tornar cometas ativos. “Os pequenos objetos congelados se aquecem a medida que se aproximam do Sol, e o gelo sublima para formar uma coma [uma nuvem densa de partículas de gás e poeira ao redor de um núcleo] e frequentemente uma cauda, tornando os cometas observáveis”, ela explicou.
No caso do 2015 BZ509, a característica mais surpreendente é seu grande período de estabilidade. Em seu comentário na Nature, Morais e Namouni dizem que a vida particularmente longa do 2015 BZ509 em sua órbita retrógrada o torna o objeto mais intrigante na vizinhança de Júpiter. “Mais estudos são necessários para confirmar como esse objeto misterioso chegou à sua configuração atual”, concluem.
Wiegert especula que Bee-Zed provavelmente se originou na nuvem Oort, como os cometas da família Halley. Em qualquer caso, mais pesquisas serão necessárias para reconstruir a viagem épica do Bee-Zed pelo Sistema Solar.
Espera-se que o Bee-Zed permaneça no mesmo estado por outro milhão de anos. Sua descoberta levou pesquisadores a suspeitar que asteroides em co-órbitas retrógradas com Júpiter e outros planetas podem ser mais comuns do que se pensava anteriormente, tornando a teoria exposta por Morais e Namouni ainda mais atraente.
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo