Houthis assumem responsabilidade por ataque que pode prejudicar o suprimento mundial de petróleo
Rebeldes houthi do Iêmen lançaram ataques com drones contra as principais instalações de petróleo sauditas hoje, provocando chamas que podem ser vistas do espaço e mostrando como novas tecnologias baratas permitem que mesmo grupos militantes pequenos causem sérios danos a grandes potências.
Os ataques com drones a cerca de 800 quilômetros de distância do Iêmen não apenas expuseram a vulnerabilidade saudita na guerra do reino contra os houthis, mas aumentaram a sombra de outros grupos apoiados pelo Irã usarem técnicas semelhantes em outras partes do Oriente Médio, inclusive contra alvos americanos, segundo os especialistas.
— Isso eleva a guerra na região a um outro nível — disse Farea Al-Muslimi, co-fundador do Sanaa Center for Strategies Studies, um grupo de pesquisas voltado para o Iemên.
Sobre o ataque de drones, ele disse que “a capacidade de causar danos é muito alta, com um custo muito baixo”.
Não ficou claro o quanto as instalações foram danificadas, mas uma paralisação por mais de alguns dias prejudicaria a oferta mundial de petróleo. Os dois centros podem processar 8,45 milhões de barris de petróleo por dia, totalizando a grande maioria da produção da Arábia Saudita, que produz quase um décimo do petróleo mundial.
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, responsabilizou o Irã pelos ataques. O chefe da diplomacia de Donald Trump descartou o envolvimento do Iêmen e disse que Teerã apenas finge buscar uma negociação diplomática. “Teerã está por trás de quase 100 ataques à Arábia Saudita, enquanto o [Presidente Hassan] Rouhani e o [ministro das Relações Exteriores Javad] Zarif fingem se envolver na diplomacia”, disse Pompeo em um post no Twitter. “Em meio a todos os pedidos de redução de escala, o Irã agora lançou um ataque sem precedentes ao suprimento de energia do mundo”.
Os ataques ao estilo de David e Golias usando drones baratos estão adicionando um novo tipo de volatilidade ao Oriente Médio.
Tais ataques não apenas danificam a infraestrutura econômica vital, mas também aumentam os custos de segurança e espalham o medo — a um custo notavelmente menor. Os drones usados no ataque de sábado podem custar US$ 15 mil ou menos para serem construídos, disse Wim Zwijnenburg, pesquisador sênior de drones da PAX, uma organização de paz holandesa.
Embora os houthis não tenham recursos financeiros significativos, os drones deram a eles uma maneira de prejudicar a Arábia Saudita. Em 2018, o país fiou em terceiro lugar em relação a gastos com equipamentos militares, com gastos de US$ 67,6 bilhões em armas.
Tecnologia do Irã
Esses ataques atingiram mais profundamente o território saudita do que os anteriores. Os houthis afirmaram ter usado 10 drones na operação, numa das maiores operações aéreas que realizaram.
O Irã forneceu tecnologia de drones para os houthis que combatem a coalizão liderada pela Arábia Saudita no Iêmen, informou um painel de especialistas em janeiro de 2018 ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Investigadores das Nações Unidas dizem que os houthis conseguiram um drone mais avançado do que os citados no relatório, com um alcance de 1.500 quilômetros, informou a Associated Press.
Os houthis já atacaram a infraestrutura saudita antes, atingindo principalmente alvos menos vitais com mísseis com alcance muito menor.
O ataque em um dos centros atingidos, em Abqaiq, é particularmente preocupante porque a estação processa petróleo de vários campos petrolíferos sauditas, disse Helima Croft, analista do RBC Capital Markets, um banco de investimento.
— Este é o principal objetivo de um ataque à infraestrutura saudita — disse ela. — Sempre estivemos preocupados com um ataque a Abqaiq.
A interrupção do suprimento mundial de petróleo “dependerá do grau dos danos”, afirmou ela. Tal interrupção pode levar à liberação de petróleo da reserva estratégica dos Estados Unidos. Um ex-executivo sênior da Saudi Aramco, a gigante estatal do petróleo, disse que a empresa tinha reservas suficientes para manter os estoques mundiais estáveis se as usinas fossem fechadas por alguns dias, mas uma longa interrupção seria outra questão.
Embora não haja relatos de vítimas, os ataques atingiram o centro da economia saudita. Eles vieram no momento em que a Aramco acelerou os planos para o que poderia ser a maior oferta pública de ações do mundo, um evento observado de perto por investidores.
O Ministério do Interior da Arábia Saudita relatou incêndios nos dois centros de processamento, em Abqaiq e Khurais, antes do amanhecer deste sábado, e depois disse que foram atacados com drones. Em um comunicado, o ministério disse que os dois incêndios foram “controlados e contidos”, informou a rede de notícias saudita Al Arabiya, sem dar detalhes.
Um porta-voz dos Houthi, o general Yahya Sare’e, disse em comunicado divulgado pela Al- Masirah, a organização de notícias da facção, que as forças do grupo “realizaram uma operação ofensiva maciça de 10 drones visando as refinarias de Abqaiq e Khurais”.
Conflitos antigos
Os houthis — apoiados pelo Irã, o principal inimigo do reino saudita — tentaram atacar alvos na Arábia Saudita antes, embora seus esforços tenham sido muito menores em comparação à devastação no Iêmen.
A guerra no Iêmen começou em 2014, quando os rebeldes houthis tomaram o controle da capital e da maior parte do noroeste do país, eventualmente enviando o governo para o exílio. Uma coalizão de nações árabes liderada pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos, com apoio dos Estados Unidos, começou a bombardear o Iêmen em 2015, na esperança de empurrar os houthis de volta e restaurar o governo. Em vez disso, a guerra se estabeleceu em um impasse e os houthis desenvolveram maneiras cada vez mais sofisticadas de atacar a Arábia Saudita, principalmente com drones.
O pesquisador Zwijnenburg disse que os drones deram aos houthis uma vantagem porque eram baratos de produzir, difíceis de detectar e abater e capazes de causar danos e perturbações que eram extremamente desproporcionais aos seus custos. Embora as capacidades exatas dos houthis não sejam conhecidas, elas se desenvolveram claramente ao longo do tempo.
— Eles estão aprendendo a adaptar suas capacidades de drones para atacar especificamente alvos sauditas, evitando a detecção, evitando a interceptação, o que significa que no futuro eles terão um conjunto maior de alvos para escolher — disse ele.
A aliança dos houthis com o Irã também levanta a possibilidade de que seus sucessos possam ser compartilhados com outros grupos militantes alinhados pelo Irã em outras partes da região.
— Essas também são lições que podem ser compartilhadas com outros grupos xiitas no Iraque, Síria e Líbano — disse ele.
O conflito no Iêmen já matou milhares de civis, muitos deles em ataques aéreos sauditas usando armas fabricadas nos Estados Unidos. Também criou a pior crise humanitária do mundo, colocou milhões de pessoas em risco de morrer de fome e deixou milhões de outras pessoas desabrigadas.
Em um relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra esta semana, um painel de especialistas disse que os dois lados do conflito estavam cometendo abusos horríveis aos direitos humanos, incluindo assassinatos arbitrários, estupro e tortura, com impunidade. As atrocidades sublinharam o fracasso coletivo da comunidade internacional, afirmou o painel.
Depois de um período de relativa calma, após um cessar-fogo intermediado no final do ano passado, as tensões aumentaram novamente nos últimos meses. As forças dos houthi atacaram oleodutos sauditas e e outras infraestruturas de petróleo em maio, interrompendo temporariamente o fluxo de petróleo e, em junho, atingiram um aeroporto na Arábia Saudita, ferindo dezenas de pessoas.
Em julho, em um grande golpe para a coalizão liderada pela Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, que estavam fornecendo armas, dinheiro e, fundamentalmente, tropas terrestres no Iêmen, anunciaram uma retirada rápida de um conflito que se tornou muito caro. A medida deixou diplomatas e analistas se perguntando se a Arábia Saudita continuaria a guerra por conta própria.
Embora o governo Trump tenha sido um forte defensor dos esforços sauditas para deter o Irã e seus aliados na região, a oposição do Congresso à venda de armas e ao envio de tropas extras na Arábia Saudita limitou o escopo dos Estados Unidos.
Via O GLOBO