Algumas pessoas ficam acordadas até tarde e têm problemas em acordar pela manhã porque seu relógio interno está geneticamente programado para funcionar devagar, de acordo com um estudo publicado hoje, dia 6 de abril, na Cell. Uma mutação em um gene chamado CRY1 altera o relógio circadiano humano, o qual dita comportamentos rítmicos como os ciclos de dormir/acordar. Os portadores da variante do gene experimentaram atrasos do sono noturno de 2 a 2,5 horas em comparação com não-portadores.
“Portadores da mutação têm dias mais longos do que o planeta lhes dá, então, essencialmente, eles estão atrasados por toda sua vida”, disse Alina Patke, primeira autora do estudo, pesquisadora associada do laboratório do investigador principal Michael Young, chefe do Laboratório de Genética da Universidade Rockefeller.
As pessoas noturnas normalmente são diagnosticadas em clínicas do sono com síndrome do atraso das fases do sono (SAFS). O estudo é o primeiro a relacionar uma mutação gênica com o desenvolvimento de SAFS, que afeta mais de 10% das pessoas, segundo estudos clínicos.
Pessoas com SAFS geralmente lutam para dormir à noite, e algumas vezes o sono vem tão tarde que se fraciona em uma série de longos cochilos. SAFS e outros distúrbios estão associados com ansiedade, depressão, doenças cardiovasculares e diabetes. Pessoas com SAFS também têm problemas em se conformar com expectativas sociais e cronogramas de trabalho matutinos.
“É como se essas pessoas tivessem um jet lag perpétuo, viajando para o leste todo dia”, diz Young. “Pela manhã, elas não estão prontas para a chegada do próximo dia”.
Patke é uma pessoa noturna e geralmente trabalha até tarde, mas ela não carrega a variante do CRY1. Nem todos os casos de SAFS são atribuíveis a essa mutação gênica. Contudo, Young e Patke encontraram-na em 1 de cada 75 indivíduos de ascendência europeia e não-finlandesa que pesquisaram num banco de dados genéticos. “Essa variante afeta grande parte da população”, ela disse.
Young, que estudou os genes envolvidos no relógio circadiano de moscas-da-fruta, entrou em contato com pesquisadores clínicos na Faculdade de Medicina Weill Cornell para entender fundamentos moleculares dos distúrbios de sono em humanos. Estudando as células da pele de pessoas com SAFS, ele e Patke descobriram uma mutação no CRY1 que ajuda a controlar o relógio circadiano.
O relógio circadiano é um elemento fundamental da vida na Terra e se manteve mais ou menos o mesmo, geneticamente, ao longo da evolução dos animais. “O relógio das moscas é basicamente o mesmo de seres humanos”, diz Young.
Normalmente, o relógio começa seu ciclo através da construção de proteínas, chamadas ativadores, em uma célula. Estes ativadores produzem os seus próprios inibidores os quais, ao longo do tempo, fazem com que eles percam a sua potência. Quando todos os ativadores na célula são silenciados, os inibidores não são mais produzidos e, eventualmente, degradam. Uma vez que todos eles se foram, a potência dos ativadores volta e o ciclo começa de novo.
A proteína CRY1 é um dos inibidores do relógio. A mutação que Young e Patke encontraram é de ponto único no gene CRY1, o que significa que apenas uma letra em suas instruções genéticas está incorreta. No entanto, essa mudança faz com que um pedaço da proteína resultante do gene esteja ausente. Essa alteração faz com que o inibidor seja excessivamente ativo, prolongando o tempo em que os ativadores são suprimidos e esticando o ciclo diário por cerca de meia hora ou mais.
Além do seu estudo inicial de uma família multigeracional nos EUA, Young e Patke colaboraram com pesquisadores clínicos na Universidade Bilkent para analisar os padrões de sono de seis famílias turcas, com 39 portadores da variante do CRY1 e 31 que não o possuem. Os portadores tinham atrasado o horário de início de sono e alguns possuíam padrões de sono irregulares e fracionados. O ponto médio de sono para não-portadores era por volta das 4h da madrugada, enquanto o dos portadores foi deslocado para entre 6h e 8h da manhã.
Como a mutação não desativa a proteína, ela pode ter efeito em indivíduos que carregam tanto uma como duas cópias do gene. Dos 39 turcos portadores, oito herdaram a mutação de ambos os pais, enquanto 31 herdaram apenas uma cópia da mutação.
O relógio circadiano responde a deixas ambientais externas, então é possível que as pessoas administrem os efeitos da mutação no sono. Por exemplo, um dos portadores do estudo relatou que mantém uma rotina de sono forçando-se a dormir e acordar em horários regulares e se expondo à luz durante o dia. “Um ciclo externo e boa higiene do sono podem ajudar a forçar um relógio lento a se acostumar com um dia de 24 horas”, diz Patke. “Apenas temos de nos esforçar mais.”
Cell Press