A luz da humanidade em Saturno se apagou.
A espaçonave robótica Cassini, da NASA, queimou na atmosfera do planeta dos anéis na manhã da última sexta-feira (15 de setembro), colocando fim a notáveis 13 anos em Saturno, que revolucionaram a compreensão dos cientistas sobre o Sistema Solar exterior e seu potencial para abrigar vida.
A Cassini descobriu, por exemplo, mares de metano em Titã, enorme lua de Saturno, e gêiseres de vapor de água explodindo na lua Encélado. Ambas as luas merecem estudos mais aprofundados, assim como o planeta e todo o variado sistema de Saturno, segundo membros da equipe da Cassini.
“Deixamos o mundo com mais conhecimento, mas ainda se questionando, e eu não poderia pedir mais do que isso”, disse o gerente de projeto da Cassini Earl Maize, do Laboratório de Propulsão da Jato da NASA em Pasadena, na Califórnia, durante uma coletiva de imprensa na quarta-feira (13 de setembro). “Precisamos voltar lá – sabemos que precisamos.”
E várias equipes de pesquisa estão, de fato, trabalhando em planos para voltar a Saturno. Na verdade, cinco projetos estão na corrida para a próxima missão New Frontiers da NASA – o mesmo tipo utilizado pela sonda New Horizon, pelo Juno orbitador em Júpiter e pela nave de coleta de amostras de asteroides OSIRIS-REx.
Atmosfera de Saturno
Durante seu mergulho mortal e intencional na sexta-feira, a Cassini brevemente se tornou a primeira sonda atmosférica de Saturno. Uma das missões propostas para a New Frontiers pegaria e ampliaria as últimas medidas feitas pela espaçonave.
A espaçonave SPRITE (Sonda Exploratória do Interior e da Atmosfera de Saturno, na tradução da sigla em inglês) mergulharia na atmosfera espessa de Saturno, caracterizando sua composição e sua estrutura por cerca de 90 minutos antes de se incendiar. ( A Cassini, que não foi construída para esse fim, durou apenas um ou dois minutos durante seu mergulho.)
“Medidas fundamentais da estrutura interior e da abundância de gases nobres em Saturno são necessárias para restringir mais os modelos de formação do Sistema Solar, além de fornecer um contexto melhor para os sistemas de exoplanetas”, escreveram Amy Simon, principal pesquisadora e membro do Centro de Voo Espacial Goddard em Greenbelt, Maryland, e seus colegas em uma descrição da missão no ano passado.
Os cientistas acrescentaram que a SPRITE faria essas medidas, e seus dados ajudariam a dar base aos dados que a Cassini coletou sobre Saturno à distância, ao longo dos anos.
Estudando Titã
A Cassini estudou Titã de perto ao longo dos 127 sobrevoos orientados. O orbitador de Saturno também carregava uma nave européia chamada Huygens, que pousou na lua de 5.150 quilômetros de largura em janeiro de 2005. No processo, ela se tornou a primeira sonda a fazer uma descida suave em um objeto no Sistema Solar exterior.
Observações feitas tanto pela Cassini quanto pela Huygens revelaram Titã em toda sua glória alienígena. Chuvas de hidrocarbonetos caem no céu da enorme lua, agrupando-se em lagos e mares de metano, alguns dos quais são tão grandes quanto o Mar Negro, na Terra. Complexas moléculas de química orgânica – blocos de construção da vida baseada em carbono como a conhecemos – envolvem a atmosfera espessa de Titã, dominada por nitrogênio, e eventualmente flutuam até a superfície da lua.
É possível que essa paisagem bizarra possa abrigar vida, dizem astrobiólogos. E o trabalho da Cassini sugere que a grande lua também pode ter outro ambiente potencialmente habitável: um oceano salgado de água líquida enterrado sob a crosta. (Na verdade, a Cassini foi destruída principalmente para garantir que nunca contaminaria Titã ou Encélado com micróbios terrestres.)
A Oceanus, uma proposta de missão para a New Frontiers, investigaria ambos os ambientes, fazendo uma variedade de medições a partir de sua posição elevada em órbita ao redor de Titã. A sonda caracterizaria, por exemplo, os orgânicos na atmosfera da lua e ajudaria os pesquisadores a determinar o quão grossa e rígida é a crosta de Titã, e se há convecção do calor interno para a superfície.
A missão “acompanharia as incríveis descobertas da Cassini e avaliaria a habitabilidade de Titã seguindo os orgânicos através do ciclo metanológico e avaliando os processos de intercâmbio entre a atmosfera, a superfície e a subsuperfície”, descreveram os planejadores da missão em uma descrição do projeto, a qual apresentaram este ano na 48ª Conferência de Ciência Planetária e Lunar em The Woodlands, Texas.
Também está na corrida da New Frontiers a Titan Dragonfly, que mandaria um drone para estudar a lua voando e também no chão.
“Um voo mais pesado que o ar é bem mais fácil [em Titã]” do que na Terra, disse Elizabeth Turtle, principal pesquisadora da Dragonfly e cientista planetária do Laboratório de Pesquisa Aplicada da Universidade Johns Hopkins em Maryland, à Space.com no início deste ano. (A atmosfera de Titã é consideravelmente mais espessa do que a da Terra, mas a força de atração gravitacional da lua corresponde a apenas 14% da do nosso planeta.)
“Isso significa que podemos pegar um aterrissador bastante capaz e movê-lo por algumas dezenas de quilômetros em um único voo, e centenas de quilômetros ao longo da duração da missão”, acrescentou Turtle.
O drone estudaria a composição dos orgânicos de Titã com detalhamento, em uma variedade de diferentes localizações.
“A Dragonfly é um conceito verdadeiramente revolucionário, que oferece a capacidade de explorar diversos locais para caracterizar a habitabilidade do ambiente de Titã, investigar o quanto a química prebiótica progrediu e buscar assinaturas químicas indicativas de vida baseada em água e/ou hidrocarbonetos”, escreveram Turtle and seus colegas sobre a potencial missão em sua apresentação na 48ª Conferência Lunar e Ciência Planetária.
As plumas de Encélado
A outras duas propostas para a New Frontiers direcionadas a Saturno visam a lua de 504 quilômetros de largura Encélado, cujos gêiseres foram uma revelação para a equipe da Cassini, funcionários da NASA e cientistas espaciais no geral.
“Quando observamos o hemisfério sul [de Encélado] e os gêiseres expelindo água em direção ao sistema de Saturno, isso nos surpreendeu e começou a mudar a maneira como vemos a habitabilidade – ou potencial habitabilidade – de luas na parte exterior do nosso Sistema Solar”, disse Jim Green, chefe da Divisão de Ciência Planetária da NASA na sede da agência em Washington, D.C., durante a coletiva de imprensa na quarta-feira.
Isso é porque a água nos gêiseres de Encélado aparentemente vem de um oceano de água líquida que escorria sob a crosta gelada da lua frígida. As observações da Cassini sugerem que esse oceano pode até ter uma fonte de energia química a qual poderia sustentar a vida como a conhecemos.
Contudo, pesquisadores querem aprender mais sobre o oceano, e a pluma dos gêiseres é uma ótima maneira. Um dos candidatos da New Frontiers, conhecido como Enceladus Life Finder (ELF), cruzaria essa pluma repetidamente, coletando e analisando moléculas. A ELF procuraria compostos orgânicos complexos os quais poderiam ser um sinal de química prebiótica – ou talvez mesmo da própria vida.
“São amostras grátis”, disse o principal pesquisador Jonathan Lunine, da Universidade Cornell, à Space.com em 2015, quando a ELF competia por um espaço no programa Discovery da NASA de missões de baixo custo e extremamente focadas. (Em janeiro deste ano, a NASA escolheu as missões Lucy e Psyche de estudo de asteróides como seus próximos projetos de descoberta.) “Não precisamos pousar, perfurar, derreter ou fazer nada do tipo.”
A Cassini fez algumas amostras próprias de plumas, mas a ELF apresentaria espectrômetros de massa mais sensíveis do que sua antecessora, segundo membros da equipe ELF. (Os encarregados pela Cassini não conheciam os gêiseres de Encélado antes do lançamento, então não colocaram qualquer equipamento de caça à vida a bordo da nave.)
Pouco foi revelado publicamente sobre a proposta final orientada para Saturno da New Frontiers. Mas seu nome – Enceladus Life Signatures and Habitability (Assinatura de Vida e Habitabilidade de Encélado) – sugere que também seria uma missão de amostragem de plumas.
Você pode conhecer mais sobre todos os 12 candidatos da New Frontiers – os outros sete visariam Vênus, um cometa ou a Lua terrestre – na excelente sinopse (em inglês) feita por Van Kane, da Sociedade Planetária.
Alguma delas voará?
Espera-se que a NASA reduza as propostas da New Frontiers para um punhado de finalistas antes do final do ano e anuncie a missão selecionada em algum momento em 2019. (Essa missão terá um limite de custo de US$ 850 milhões, com exceção do lançamento, e decolará até 2025.)
Então, é muito cedo para dizer se alguma das missões centradas em Saturno algum dia sairão do chão. Contudo, os fãs do planeta dos anéis podem estar animados por um dos comentários de Green na coletiva de imprensa de quarta-feira.
As descobertas de Cassini “viverão por muitas décadas e já estão nos convidando para voltar”, disse Green. Entre a missão Voyager da NASA, que visitou Saturno com sobrevoos consecutivos em 1980 e 1981, “e a Cassini houve um espaço de 30 anos”, disse ele, “e acredito que levará muito menos tempo até a próxima.”
Mike Wall, SPACE.com
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