Com o Texas ainda se recuperando da devastação feita pelo furacão Harvey e o sudeste dos Estados Unidos se preparando pelo furacão Irma, as pessoas estão naturalmente perguntando: qual pode ser a contribuição das mudanças climáticas causadas pela humanidade em tudo isso?
Os cientistas estão mais do que dispostos a analisar tal questão, mas, muitas vezes, com perspectivas diferentes sobre os dados nos quais elas deveriam se basear – o que, às vezes, levou a mais confusão que edificação. Parte do problema é que existem pelo menos duas formas fundamentalmente diferentes de abordá-los, e elas refletem abordagens filosóficas diferentes.
A primeira abordagem é explicar os processos físicos simples no trabalho e o papel que eles podem desempenhar. Existem certas ligações indiscutíveis as quais podemos falar imediatamente, pois elas já foram examinadas em geral, não para qualquer tempestade específica.
Por exemplo, mesmo que não possamos dizer mais nada, podemos concluir que o aumento do nível do mar contribuiu para as inundações costeiras associadas aos últimos principais furacões: quase 0,3 metros no Battery Park, na cidade de Nova York, no caso da supertempestade Sandy em 2012 e cerca 0,15 metros no caso do furacão Harvey. Os aparentemente modestos 0,3 metros de aumento do nível do mar fora da costa de Nova York e Nova Jersey provocou, muito mais provavelmente, um aumento de 4,26 metros de uma tempestade parecida com a Sandy, além de levar a 64,75 km² adicionais de inundações e vários bilhões de dólares extras de dano.
E a força crescente dessas tempestades? A ciência também é bem conclusiva aqui.
Quer estejamos ou não enfrentando um maior número de tempestades tropicais (uma questão continuamente pesquisada pela comunidade científica), sabemos que as tempestades mais fortes estão ficando mais fortes, com um aumento de cerca de 8 m/s na velocidade do vento por grau de aquecimento. Portanto, provavelmente não deve ser coincidência que quase todos os furacões mais fortes registrados (medidos pela velocidade do vento sustentada) em todo o globo, no Hemisfério Norte, no Hemisfério Sul, no Pacífico e agora, com o Irma, no Atlântico, ocorreram nos últimos dois anos. Uma tempestade mais forte significa não apenas ventos mais destrutivos, mas também mais ondas, aumentando o impacto das inundações costeiras associadas a elevação do nível do mar.
Além disso, uma superfície oceânica mais quente significa mais umidade na atmosfera. Uma regra fundamental da termodinâmica atmosférica conhecida como a equação de Clausius-Clapeyron indica um aumento de aproximadamente 7 % da umidade do ar para cada grau de aumento da temperatura da superfície do mar (Sea Surface Temperature, ou SST na sigla em inglês). As SSTs globais aumentaram hoje quase 1ºC e como resultado as condições em que as SSTs estão a vários graus acima do normal são, agora, mais comuns. Uma SST excepcionalmente quente contribuiu para o poder de inundação dos furacões Harvey e Irene, em 2011.
Outras conexões são mais sutis. Parte do que produziu a inundação recorde associada com Harvey e Irene foi a natureza lenta das tempestades, o que permitiu chuvas persistentes sobre o leste do Texas e New England, respectivamente. O movimento lento dessas tempestades foi favorecido por uma região subtropical expandida de alta pressão sobre o sul dos EUA e um fluxo de jato em direção ao norte, algo que as simulações de modelos climáticos prevêem como resultado de mudanças provocadas pelos humanos. Há também algumas evidências experimentais de que o aquecimento do Ártico pode favorecer a paralisação de sistemas meteorológicos de meia-latitude, embora isso ainda seja algo em estudo.
A segunda abordagem para entender a ligação entre a atividade humana e o clima extremo envolve uma espécie de “CSI” climatológica – simulações de um modelo climático, tanto com quanto sem o impacto do aumento de gases de efeito estufa gerado por humanos, buscando detectar uma tendência e atribuir parcialmente o evento em questão a tais aumentos. Há apenas uma década, os cientistas do clima possuíam um lema de que ” não se pode atribuir nenhum evento extremo ao aquecimento global.”
Contudo, no momento em que políticos e jornalistas começaram a repetir essa frase, a ciência avançou, de modo que agora podemos atribuir eventos individuais em um sentido probabilístico. Por exemplo, se um jogador de baseball que usa esteróides está fazendo 20% mais home runs, não podemos atribuir um home run particular aos esteróides. Porém, podemos dizer que os esteróides tornaram isso 20% mais provável de ter acontecido. Para alguns dos processos físicos discutidos aqui, pode-se ver o aumento do dióxido de carbono na atmosfera como esteróides para as tempestades.
Agora, cientistas avaliam rotineiramente como o aquecimento global afetou eventos extremos. Embora esses estudos utilizem uma variedade de abordagens, todos eles consideram dois mundos: o nosso mundo atual, com aumentos de gases do efeito estufa causados pelo homem e o aquecimento resultante, e outro mundo sem os níveis atuais de aquecimento induzido por gases de efeito estufa. A maioria usa modelos complexos de computadores, mas alguns simplesmente comparam as condições de hoje com as de anos anteriores, quando os níveis de gases de efeito estufa eram menores. Alguns avaliam as mudanças nas probabilidades e outros avaliam as mudanças na força, o que, algumas vezes, pode dificultar as comparações dos resultados. Outra desvantagem é que uma avaliação científica rigorosa do impacto do aquecimento global em um evento específico leva meses para ser feita – embora alguns grupos de pesquisa estejam tentando resolver esta desvantagem.
Essas abordagens não são incompatíveis ou mutuamente exclusivas – na verdade, elas são complementares do ponto de vista filosófico. Raciocinar com uma física simples pode levar à perda de algumas complexidades e de “feedbacks” sutis. Por exemplo, enquanto a equação de Clausius-Clapeyron sugere cerca de 7% mais umidade do ar para cada grau de aumento da SST, isso deixa passar alguns outros possíveis fatores de amplificação. Mais umidade na tempestade significa aquecimento mais latente, uma tempestade potencialmente mais forte, com mais convecção e correntes ascendentes mais fortes, resultando em mais chuvas.
Enquanto isso, as abordagens de atribuição dependem da capacidade dos modelos climáticos resolverem todos os processos físicos que podem conectar mudanças climáticas a eventos climáticos extremos, alguns dos quais potencialmente são bastante sutis e podem não ser totalmente capturados nos modelos de geração atual (a física ligando o comportamento mutável da atmosfera à diminuição do gelo marinho do Ártico, por exemplo, ou o papel da vegetação dinâmica na moderação da umidade do solo e, portanto, na seca). Nesses casos, um resultado negativo – ou seja, a falha em “atribuir” um evento particular ao impacto da mudança climática – pode simplesmente refletir a insuficiência da abordagem, não a falta de uma conexão física real.
Precisamos usar todas as ferramentas disponíveis para abordar essas questões científicas. No entanto, seria imprudente concluir que devemos aguardar os resultados dos estudos formais de detecção e atribuição antes de podermos dizer qualquer coisa sobre os efeitos da mudança climática nos furacões que estão acontecendo. Sabemos muito com base na física, e deveríamos declarar essas coisas de forma clara e imediata, pois elas podem fornecer ideias as quais podem ajudar a orientar as pessoas enquanto começam a se recuperar e planejar o futuro.
Michael E. Mann, Thomas C. Peterson e Susan Joy Hassol