Existe algo enorme à espreita sob o gelo da Groenlândia. Usando um radar de bordo capaz penetrar, cientistas descobriram uma cratera de 31 quilômetros de largura1 — maior que a cidade de Paris — enterrada em até 930 metros no gelo do noroeste da Groenlândia.
O meteorito que atingiu a Terra e formou a cova teria cerca de 1,5 quilômetro de diâmetro, dizem os pesquisadores. Isso é grande o suficiente para causar danos ambientais significativos em todo o hemisfério norte, relata a equipe liderada pelo glaciologista Kurt Kjær, da Universidade de Copenhague, em 14 de novembro, na Science Advances2.
Embora a cratera não tenha sido datada, dados de detritos glaciais, bem como simulações de fluxo de gelo, sugerem que o impacto pode ter ocorrido durante a Época do Pleistoceno, entre 2,6 milhões e 11,7 mil anos atrás. A descoberta pode dar nova vida a uma hipótese controversa que sugere que um impacto de cerca de 13.000 anos atrás desencadeou uma misteriosa onda de frio de 1.000 anos conhecida como Dryas Recente ou Younger Dryas.
Membros da equipe de pesquisa identificaram pela primeira vez uma forma curiosamente arredondada na borda do Glaciar Hiawatha, no noroeste da Groenlândia, em 2015, durante uma varredura da região pela missão IceBridge da NASA. A missão usa radar aéreo para mapear a espessura do gelo nos polos da Terra. Os pesquisadores imediatamente suspeitaram que a forma arredondada representava a borda de uma cratera, diz Kjær.
Para um olhar mais detalhado, a equipe contratou uma aeronave do Instituto Alfred Wegener, da Alemanha, que estava equipada com radar de banda ultralarga, que pode enviar pulsos de energia para o gelo em um grande número de frequências. Usando dados coletados de 1997 a 2014 da Icebridge e do Programa de Avaliação do Clima Regional do Ártico (PARCA) da NASA, bem como 1.600 quilômetros de dados coletados em 2016 usando o radar de banda ultralarga, a equipe mapeou os contornos internos e externos de seus alvos.
O objeto é quase certamente uma cratera de impacto, dizem os pesquisadores. “Ficou claro que nossa ideia estava certa desde o início”, diz Kjær. Além disso, esta não é apenas a primeira cratera encontrada na Groenlândia, mas também uma das 25 maiores crateras já vistas na Terra. E manteve sua forma perfeitamente, desde a sua borda elevada até a depressão em forma de tigela.
“É tão facilmente notado nas imagens de satélite agora”, diz John Paden, engenheiro elétrico da Universidade do Kansas, em Lawrence, e membro da equipe. “Não há outra boa explicação.”
Em solo, a equipe buscou assinaturas geoquímicas e geológicas de um impacto de asteroide pesquisando sedimentos próximos. Amostragem de dentro da própria cratera era impossível, uma vez que ela permanece coberta por gelo. Mas um pouco além da borda do gelo, a água derretida da base da geleira tinha, ao longo dos anos, depositado sedimentos. Os cientistas coletaram uma amostra de sedimentos de dentro desse fluxo glacial e vários de fora dele.

A amostra dos detritos retirados da águas derivadas da fusão glaciar continha vários sinais reveladores de um impacto: grãos de quartzo de impacto com treliça cristalina deformada e grãos vítreos que podem representar rocha derretida. A amostra também continha concentrações elevadas de certos elementos, incluindo níquel, cobalto, platina e ouro, em relação ao que normalmente é encontrado na crosta terrestre. Esse perfil elementar aponta não apenas para um impacto de asteroide, dizem os pesquisadores, mas também sugere que o corpo que se chocou no local era um meteorito ferroso relativamente raro.
Quando?
Determinar quando aquele meteorito de ferro colidiu com a Terra é mais complicado.
Os dados do radar de penetração no gelo revelaram que o próprio reservatório da cratera contém várias camadas distintas de gelo. A camada superior mostra uma sequência clara e contínua de camadas menores de gelo, representando os depósitos graduais de neve e gelo nos mais recentes 11.700 anos da história da Terra, conhecidos como Holoceno. Na base dessa camada “bem comportada” está uma camada distinta, rica em detritos, que foi vista em outros lugares nos núcleos de gelo da Groenlândia, e acredita-se que represente o período de frio da Younger Dryas, que abrangeu de 12.800 a 11.700 anos atrás. Abaixo dessa camada Younger Dryas há outra grande camada, mas, ao contrário da camada Holoceno, esta é confusa e áspera, com camadas ondulantes em vez de lisas, com camadas pequenas e quase planas.

“Você vê distúrbios dobrados e fortes”, diz Joseph MacGregor, coautor do estudo e glaciologista da NASA que trabalha na missão IceBridge. “E abaixo disso, vemos um gelo basal ainda mais profundo e complexo.” Imagens de radar da camada mais baixa de gelo dentro da cratera mostram vários picos curiosos, que MacGregor diz que poderiam representar material do solo que foi incorporado ao gelo. “Juntando tudo isso, o que você tem é um fotografia de um manto de gelo que parecia razoavelmente normal durante o Holoceno, mas que estava bastante perturbado antes desse período.”
Esses dados sugerem claramente que o impacto é de pelo menos 11.700 anos atrás, diz Kjær. E a borda da cratera parece atravessar um antigo canal preexistente que deve ter fluído através da terra antes da Groenlândia ter ficado coberta de gelo há cerca de 2,6 milhões de anos.
Esse período de tempo — essencialmente, toda a Época do Pleistoceno — tem um grande alcance. A equipe está trabalhando para estreitar ainda mais o possível intervalo de datas, com mais amostras de sedimentos, simulações da taxa de fluxo de gelo e possivelmente amostras do centro coletadas de dentro da cratera.
O intervalo de datas inclui a possibilidade de que o impacto tenha ocorrido perto do início das Dryas Recente. “Há um mamute-lanoso na sala”, diz MacGregor ao site ScienceNews.
O cientista planetário Clark Chapman, do Southwest Research Institute, em Boulder, Colorado, observa que “há uma abundância de formas circulares na Terra de muitos tamanhos diferentes, a maioria das quais não são crateras de impacto”, segundo o site ScienceNews. Ainda assim, diz ele, o artigo apresenta vários linhas de evidência que apoiam fortemente a conclusão de que o objeto de estudo é uma cratera, incluindo o quartzo de impacto e a topografia.
Quanto à ideia de que uma cratera possa ter se formado nos últimos dois milhões de anos, Chapman diz que é “bastante improvável”. Tais choques são raros em geral, acrescenta, e os asteroides que chegam à Terra têm muito mais probabilidade de acabar caindo em algum oceano. “E seria pelo menos cem vezes menos provável que pudesse ter acontecido tão recentemente a ponto de ter afetado as Younger Dryas.”
Independentemente de quando a cratera se formou, esta é “uma descoberta empolgante e válida”, diz MacGregor. “E nós estamos felizes que a cratera não continue escondida em segredo.” [ScienceNews3]
Crédito do vídeo: NASA Goddard.
Imagem de capa: Crédito do Natural History Museum of Denmark, Cryospheric Sciences Lab/GSFC/NASA.
Referências:
- International Team, NASA Make Unexpected Discovery Under Greenland Ice. NASA (2018), Release 18-099. <https://www.nasa.gov/press-release/international-team-nasa-make-unexpected-discovery-under-greenland-ice>;
- K.H. Kjær et al. A large impact crater beneath Hiawatha Glacier in northwest Greenland. Science Advances. November 14, 2018. doi: 10.1126/sciadv.eaar8173;
- GRAMLING Carolyn. A massive crater hides beneath Greenland’s ice. ScienceNews, November 14, 2018. <https://www.sciencenews.org/article/impact-crater-greenland-asteroid-younger-dryas>.